Artes dos povos Kahyana e Katxuyana podem virar patrimônio imaterial

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Lideranças decidem registrar seus conhecimentos sobre o txama txama, cujo uso tem importante significado político, cultural e espiritual para seus povos.

Texto: Angélica Queiroz 329b

Projeto visa preservar os conhecimentos sobre confecção e uso do txama txama. (Foto: Ruben Caixeta – Iepé)

Segundo especialistas em cultura material, tecnicamente, o txama txama, é definido como um diadema emplumado duplo, um tipo de coroa feita com penas de gavião-real ou arara. Ele é um um marcador de identidade tradicional dos povos Kahyana e Katxuyana, que vivem na Terra Indígena Kaxuyana-Tunayana, situada nos estados do Pará e Amazonas e, desde o final dos 1960, também na faixa oeste do Parque Indígena Tumucumaque. Sua produção vem de um conhecimento ancestral, que precisa ser transmitido para as novas gerações, não só para garantir a sua preservação, mas também como forma de fortalecer o sentimento de pertencimento às tradições e de reconexão com a espiritualidade. A Associação Indígena Katxuyana, Tunayana e Kahyana (AIKATUK) e o Iepé estão trabalhando juntos nesse propósito.

Trata-se do projeto “Artes do Txama Txama: Documentando Nossas Práticas e Saberes, Salvaguardando Nossos Modos de Vida”, que visa a identificação e pesquisa do patrimônio imaterial relacionado às artes plumárias dos  povos Katxuyana, Kahyana e Yatxkuryana. A iniciativa, cuja ideia partiu dos próprios indígenas, integra o novo Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC) do Programa Nacional do Patrimônio Imaterial (PNPI) e tem o apoio do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)

A ideia é formar jovens pesquisadores locais para que eles produzam um inventário, que deve incluir pesquisa de campo, levantamento de literatura etnológica e historiográfica e mapeamento das coleções museológicas sob as guardas do Museu Paraense Emílio Goeldi e do Museu do Índio do Convento de Ipuarana. Ao longo de 18 meses, o grupo deve realizar entrevistas e escutas de histórias de vida na região onde a arte é encontrada.

Mário Wehtxo, um dos conhecedores das práticas e saberes do txama txama. (Foto: Rodrigo Ribeiro – Iepé)

Para o fundador e vice-presidente da AIKATUK, Juventino Pesirima Katxuyana, o projeto é uma forma de preservar a tradição, já que essa é uma arte com importante significado político, cultural e espiritual para seu povo. “Nosso txama txama é um legado que estava desaparecendo. Para nós, representa resistência e conhecimento ancestral. A gente vinha sonhando há algum tempo em conseguir um projeto como esse, que ajuda a trazer de volta a nossa cultura”, explica.  

Atualmente, apenas três mestres-anciãos preservam o conhecimento sobre a confecção do txama txama e um dos objetivos do projeto é justamente fazer a conexão entre eles e jovens-aprendizes, tendo sempre como premissa o protagonismo indígena.

“Entender, valorizar, reconhecer, salvaguardar e caminhar conjuntamente com a nossa ancestralidade é a visão do projeto, realizado a várias mãos, com transmissão de saberes de diversas gerações, o que caminha na missão do Iphan”, afirmou a superintendente do Iphan no Pará, Cristina Vasconcelos, na apresentação da iniciativa.

Durante as oficinas, práticas femininas relativas à tecelagem do Moneno’ho (saia frontal) e do Wenehu (tipoia), associadas ao pedido de patrimonialização, também foram colocadas em foco por mulheres como Rosa e Elisa. (Foto: Luísa Girardi)

Essa proposta de reconexão trazida pelo projeto, também pode ser um convite à renovação, incluindo não só os jovens, mas também as mulheres. Tradicionalmente, o txama txama remete à autoridade e era utilizado somente pelos homens que ocupavam cargos de liderança dentro das comunidades. No entanto, hoje em dia, várias mulheres yana têm também desempenhado esses papéis, o que abre a possibilidade de que elas também se apropriem desse símbolo.

Ângela Kaxuyana, liderança indígena do povo  Kahyana, foi a primeira mulher a receber de uma autoridade mais velha o txama txama, como reconhecimento pelo seu trabalho. “Precisamos dar protagonismo para as mulheres. Dizer que elas também podem se apropriar desse símbolo da nossa cultura, respeitando o sentido de ter isso no seu corpo”, afirma. “Para mim, foi uma oportunidade de me reconectar com o sentido dessa coroa, uma grande responsabilidade e sentimento de pertencimento”, completa.

1° Ciclo do Campo 

O projeto prevê a realização de encontros e festividades para promover a transmissão do conhecimento entre gerações e a documentação audiovisual das práticas, processos e significados da arte. A primeira etapa da pesquisa, voltada para registro e coleta de dados sobre as técnicas de fabricação do txama txama, foi promovida pela AIKATUK no início do mês de março, na Aldeia Chapéu (TI Katxuyana Tunayana). 

Técnicas de fabricação do txama txama estão sendo ensinadas aos mais jovens. (Foto: Luísa Girardi)

Na ocasião, uma equipe formada por pesquisadores indígenas e não indígenas, além de historiadores, biólogos e antropólogos acompanhou e registrou todos os processos da atividade, desde coleta dos materiais na floresta até entrevista com os mestres. A oficina contou ainda com a realização de gravações audiovisuais e registros em caderno de campo, e a presença de uma consultora de comunicação audiovisual, responsável por orientar os jovens cinegrafistas indígenas nos registros da atividade. 

“Após essa primeira etapa de campo, 12 rapazes confeccionaram seus txama txama, demonstrando a efetividade do projeto no que diz respeito à revitalização dos saberes e fazeres”, ressalta a coordenadora técnica do projeto e consultora do Programa Tumucumaque-Wayamu, Luísa Girardi.

A iniciativa conta com recursos do Programa Nacional do Patrimônio Imaterial do Iphan.

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